“Sempre desprezei as coisas mornas,     
as coisas que não provocam ódio nem paixão,      
as coisas definidas como mais ou menos,      
um filme mais ou menos, um livro mais ou menos.      
Tudo perda de tempo.      
Viver tem que ser perturbador,      
é preciso que nossos anjos e demônios sejam despertados,      
e com eles sua raiva, seu orgulho, seu asco, sua adoração ou seu desprezo.      
O que não faz você mover um músculo,      
o que não faz você estremecer, suar, desatinar,      
não merece fazer parte da sua biografia. “      
sábado, 29 de dezembro de 2012
Martha Medeiros
quinta-feira, 27 de dezembro de 2012
O DESEJO DE IR-SE
O sol atravessou minha janela
e tudo se ilumina alegremente.
Ladra um cachorro, um pássaro revela
gorjeios harmoniosos em torrentes.
De costas em meu leito sinto um vago
desejo de perder-me além dos dias
e na penumbra me afogar nos lagos
de me cegar na luz de uma alegria.
De cantando seguir no rumo agreste
sentindo o doce declinar das tardes
e o coração repleto da celeste
chama de amor que nos caminhos arde...     
[Pablo Neruda]
quarta-feira, 26 de dezembro de 2012
Quehaceres Nocturnos
Desmenuzar la madrugada y sus enigmas,
y en los surcos que el insomnio rasga en la epidermis de las horas,
sembrar curiosidad y cultivarla.
Crucificar al resquemor y sus angustias,
y en las exequias de los restos del fracaso,
rescatar una muestra de ilusión y fecundarla.
Bordar la esperanza y sus caminos,
y en el punto de cruz con que el presente anota sus haberes,
recoger la cuenta de la vida y abonarla.
Defenestrar al desconcierto y sus temores,
y en la cicatriz que dejan como herencia,
ensillar un grito de alegría y cabalgarlo.
Reconstruir el porvenir y sus ofertas,
y en el volver a empezar que se inscribe en los anales,
optar por ser feliz sin condiciones.
Desmigajar el pasado como si fuera fácil
aceptar las palabras como si no fueran vanas
domesticar la congoja como si fuera un gato
medicar la esperanza como si estuviera en coma
reciclar la experiencia como si fuera dable
expender el tiempo como si no acabara.
A la postre alborea el anhelo de apostar a todo o nada,
porque la noche, tan terca cuanto opaca,
rechaza resistir a sus heridas y muere sin decir ni pío.
Huérfano de estrellas, amanezco indemne.     
[Bruno Kampel]
segunda-feira, 24 de dezembro de 2012
Tuas Mãos
Quando tuas mãos saem,     
amada, para as minhas,      
o que me trazem voando?      
Por que se detiveram      
em minha boca, súbitas,      
e por que as reconheço      
como se outrora então      
as tivesse tocado,      
como se antes de ser      
houvessem percorrido      
minha fronte e a cintura?      
Sua maciez chegava      
voando por sobre o tempo,      
sobre o mar, sobre o fumo,      
e sobre a primavera,      
e quando colocaste      
tuas mãos em meu peito,      
reconheci essas asas      
de paloma dourada,      
reconheci essa argila      
e a cor suave do trigo.      
A minha vida toda      
eu andei procurando-as.      
Subi muitas escadas,      
cruzei os recifes,      
os trens me transportaram,      
as águas me trouxeram,      
e na pele das uvas      
achei que te tocava.      
De repente a madeira      
me trouxe o teu contacto,      
a amêndoa me anunciava      
suavidades secretas,      
até que as tuas mãos      
envolveram meu peito      
e ali como duas asas      
repousaram da viagem.      
[Pablo Neruda]
sábado, 22 de dezembro de 2012
Criação de abismos
       
Depois de tanto tempo     
Alimentando o vazio      
Tornei-me eu mesmo      
Um imenso deserto      
Um árido horizonte      
Que não se desdobrará      
Alcançando teu jardim      
Moldado pelo fogo infernal      
Tornei-me eu mesmo      
Um Tormento vivente      
Um Inferno ambulante      
Cujos vis demônios      
Contidos a duras penas      
Jamais conhecerás      
Um beijo tu me pedes      
Um único ósculo inocente      
Tortura-me com a proposta      
Mas não me permito ser eu      
O verme que te corromperá      
Nem o bandido hediondo      
Que pisoteará tuas flores
[Jawa Sick]
sexta-feira, 21 de dezembro de 2012
O verbo no infinito
Ser criado, gerar-se, transformar     
O amor em carne e a carne em amor; nascer      
Respirar, e chorar, e adormecer      
E se nutrir para poder chorar      
Para poder nutrir-se; e despertar      
Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir      
E começar a amar e então sorrir      
E então sorrir para poder chorar.      
E crescer, e saber, e ser, e haver      
E perder, e sofrer, e ter horror      
De ser e amar, e se sentir maldito      
E esquecer de tudo ao vir um novo amor      
E viver esse amor até morrer      
E ir conjugar o verbo no infinito...      
[Vinicius de Moraes]
Poema à boca fechada
Não direi:     
Que o silêncio me sufoca e amordaça.      
Calado estou, calado ficarei,      
Pois que a língua que falo é de outra raça.      
Palavras consumidas se acumulam,      
Se represam, cisterna de águas mortas,      
Ácidas mágoas em limos transformadas,      
Vaza de fundo em que há raízes tortas.      
Não direi:      
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,      
Palavras que não digam quanto sei      
Neste retiro em que me não conhecem.      
Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,      
Nem só animais bóiam, mortos, medos,      
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam      
No negro poço de onde sobem dedos.      
Só direi,      
Crispadamente recolhido e mudo,      
Que quem se cala quando me calei      
Não poderá morrer sem dizer tudo.      
[José Saramago]
quinta-feira, 20 de dezembro de 2012
Soneto a Quatro Mãos
Tudo de amor que existe em mim foi dado.      
Tudo que fala em mim de amor foi dito.      
Do nada em mim o amor fez o infinito      
Que por muito tornou-me escravizado.      
Tão pródigo de amor fiquei coitado      
Tão fácil para amar fiquei proscrito.      
Cada voto que fiz ergueu-se em grito      
Contra o meu próprio dar demasiado.      
Tenho dado de amor mais que coubesse      
Nesse meu pobre coração humano      
Desse eterno amor meu antes não desse.      
Pois se por tanto dar me fiz engano      
Melhor fora que desse e recebesse      
Para viver da vida o amor sem dano.
[Vinicius de Morais]
O amor
Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos,     
se não tiver amor,      
serei como o bronze que soa,      
ou como o címbalo que retine. Ainda que eu tenha o dom de profetizar      
e conheça todos os mistérios e toda a ciência;      
ainda que eu tenha tamanha fé,      
a ponto de transportar montanhas,      
se não tiver amor, nada serei.      
E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres      
e ainda que entregue meu próprio corpo para ser queimado,      
se não tiver amor, nada disso me aproveitará.      
O amor é paciente, é benigno,      
o amor não arde em ciúmes,      
não se ufana, não se ensoberbece,      
não se conduz inconvenientemente,      
não procura seus interesses,      
não se exaspera,      
não se ressente do mal;      
não se alegra com a injustiça,      
mas regozija-se com a verdade.      
Tudo sofre, tudo crê,      
tudo espera, tudo suporta.      
O amor jamais acaba.      
Mas, havendo profecias, desaparecerão;      
havendo línguas, cessarão;      
havendo ciência, passará.      
Porque em parte conhecemos,      
e em parte profetizamos.      
Quando, porém, vier o que é perfeito,      
o que então é em parte será aniquilado.      
Quando eu era menino, falava como um menino,      
sentia como um menino.      
Quando cheguei a ser homem,      
desisti das coisas próprias de menino.      
Porque agora vemos como em espelho,      
obscuramente, e então veremos face a face;      
agora conheço em parte, e então conhecerei como sou conhecido.      
Agora, pois, permanecem a Fé,      
a Esperança, e o Amor.      
Estes três.      
Porém, o maior deles é o Amor.
[1 Coríntios 13:1]
Noite em claro
Olheiras perplexas      
deliram perguntas      
que roem as unhas      
das horas que passam      
e estas insones      
qual arame farpado      
bordam respostas de pedra      
que convidam ao quebranto      
que doem sem clemência      
que ferem sem vergonha      
e morrem sem vontade      
enquanto a madrugada      
esvai-se gota a gota      
e o perfil da aurora      
entre um bocejo e outro      
pendura-se nos olhos      
da noite que agoniza      
ao passo que a alvorada      
cumprindo seu destino      
floresce pontualmente      
e inventa um novo dia.
[Bruno Kampel]
Si tú vienes...
Si tú vienes...     
...esta noche seremos      
un canto gregoriano      
un azul mediterráneo      
un esfuerzo sobrehumano      
un camino y sus esquinas      
un bolero y sus compases      
un deseo que la noche      
huela a vino y tenga cuerpo      
y el encuentro sea un pacto      
y toque el alma.      
Si tú quieres...      
...esta noche tendremos      
nuestra piel declamando sudores      
nuestros dedos tocando calores      
nuestras bocas oliendo sabores      
nuestra urgencia exigiendo clamores      
nuestra cama rezando promesas      
nuestros gritos mostrando el camino      
nuestras gotas llegando a destino.      
Si tú dejas...      
...esta noche veremos      
los silencios cantando sin sonido      
las palabras temblando sin descanso      
las estrellas gimiendo sin verguenza      
la emoción declamando dulcemente      
la canción galopando sin montura      
el amor dibujando sus urgencias      
elocuencias inclemencias y dolencias.      
Si lo pides...      
...esta noche será entonces      
un planeta sin fronteras      
la pregunta y su respuesta      
dos amantes y sus juegos      
una búsqueda sin miedo      
un encuentro de mutantes sin prejuicios      
conjugando grito y eco      
ojo y brillo día y luna      
noche y playa sol y sombra      
el desierto y sus camellos      
vela y viento      
cruz y espada.      
Esta noche      
no lo dudes!....      
Si tú vienes      
y me quieres...      
Si tú dejas      
y lo pides...
[Bruno Kampel]     
Poema de Amor
Sempre soube terminar os poemas       
que falam de saudade, de amores        
finitos, mas nunca começá-los,        
pois o início  tem gosto de ausência,        
tem cheiro de perda, tem peso de outrora.
Amores passados, perdidos, partidos,       
apenas convidam ao silêncio,        
e a confissão, e a solidão, florescem        
implacáveis na ponta da língua,        
como brados, como adagas,        
e então, ao pretender o afago,        
apenas desenho um lamento profundo,        
e ao tentar esquecer o inesquecível        
implanto as lembranças na retina da memória,        
que dói como se fosse o dia da partida        
e não a hora das reminiscências.
Mas, sim: aprendi a dizer       
que não te esqueço; que o eco dos teus pés        
- que já foram o meu chão - retumba        
a cada passo que caminho        
nesta doce amargura escandinava,        
escondido entre loiríssimos cabelos        
e branquíssimas mentiras.
Revejo os instantes       
e vejo que o tempo, a destempo,        
ensina a dizer que te amo,        
que te lembro quando é tarde,        
quando a noite do tempo deitou-se        
para sempre entre nós, como  água        
sem barco, como  margens sem rio        
como um dia sem horas.
Difícil começar a dizer       
da saudade que sofro,        
da angústia que vivo,        
da dor que me ataca,        
da culpa que sinto,        
que não é vã, mas justa:        
mea culpa, mea máxima culpa.
E os minutos, esses que teimam       
em ficar horas a lembrar-te;        
e as horas, que ficam dias teimando        
em reviver os instantes que não voltam,        
apenas desamarram as palavras        
que impunes e sem medo        
se escrevem letra a letra        
lapidando um pedido de socorro,        
rabiscando um retorno ao passado,        
esculpindo um desejo de futuro,        
conquistando uma chance de ventura.
Sim, não nego:       
quis construir uma ponte de amor,        
um dizer de saudade,        
um grito de esperança,        
um pedido de clemência.
Nem mais, nem menos,       
nem muito ou pouco,        
nem tarde ou nunca:        
um tudo ou nada.
Sim,       
um poema de amor        
manchado de saudade,        
pintado em cor remorso,        
é o que tento iniciar        
e não consigo,        
pois dizendo que sim,        
que te amo        
e não te esqueço,        
não começo, mas termino.
E isso faço, começo terminando       
com um resto de esperança,        
que é o fim de todos os princípios,        
e repito, como um disco,        
que te amo, que te amo,        
e que deixar-te foi tão duro        
como te saber distante.
E termino começando,       
pronunciando o teu nome,        
o que até agora apenas me atrevia:        
vivendo de amor, e não morrendo,        
suando de ternura e não de angústia        
gritando de esperança e não de raiva,        
é como digo que te amo,        
meu Brasil nunca esquecido.
   
[Bruno Kampel]
quarta-feira, 19 de dezembro de 2012
De que são feitos os dias?
De que são feitos os dias?   
- De pequenos desejos,    
vagarosas saudades,    
silenciosas lembranças.    
Entre mágoas sombrias,    
momentâneos lampejos:    
vagas felicidades,    
inatuais esperanças.    
De loucuras, de crimes,    
de pecados, de glórias    
- do medo que encadeia    
todas essas mudanças.    
Dentro deles vivemos,    
dentro deles choramos,    
em duros desenlaces    
e em sinistras alianças...    
[Cecília Meireles]
Cânticos
Não digas onde acaba o dia.   
Onde começa a noite.    
Não fales palavras vãs.    
As palavras do mundo.    
Não digas onde começa a Terra,    
Onde termina o céu    
Não digas até onde és tu.    
Não digas desde onde és Deus.    
Não fales palavras vãs.    
Desfaze-te da vaidade triste de falar.    
Pensa,completamente silencioso,    
Até a glória de ficar silencioso,    
Sem pensar.    
[Cecília Meireles]
terça-feira, 18 de dezembro de 2012
Amores vãos...
segunda-feira, 17 de dezembro de 2012
José Saramago
"A inteligência sem Amor, te faz perverso   
A justiça sem Amor, te faz implacável    
A diplomacia sem Amor, te faz hipócrita
O êxito sem Amor, te faz arrogante   
A riqueza sem Amor, te faz avaro    
A docilidade sem Amor, te faz servil    
A pobreza sem Amor, te faz orgulhoso    
A beleza sem Amor, te faz ridículo    
A autoridade sem Amor, te faz tirano    
O trabalho sem Amor, te faz escravo    
A simplicidade sem Amor, te deprecia    
A lei sem Amor, te escraviza    
A política sem Amor, te deixa egoísta    
A fé sem Amor, te deixa fanático    
A vida sem Amor    
Não tem sentido....."    
[José Saramago]
domingo, 16 de dezembro de 2012
Sou
Sou a soma das minhas cores,       
das minhas dores, dos meus amores.        
A soma dos sóis de todos os tempos,        
do luar definitivo, doce e lento,        
e das estrelas eternas e mutantes.
Sou a soma dos instantes       
dos meus anseios        
das minhas súplicas, dos meus sonhos,        
dos meus pesadelos.        
A soma das minhas vidas...        
Diversos papéis, corpos, imagens.        
A soma de várias línguas e linguagens        
e os perfumes todos de todas as flores.        
Sou a soma de todas as cores.        
Reflexo de todas as paisagens        
e águas todas de todos os mares.        
Sou a procura desenfreada e louca        
por teus olhos, tuas mãos, tua boca.        
E te pergunto do mundo onde estou:        
Sabes amor, quem sou?        
[Janete Cortez]
domingo, 9 de dezembro de 2012
Lembrete
Não deixe portas entreabertas.   
Escancare-as    
ou bata-as de vez.    
Pelos vãos, brechas e fendas    
passam apenas semiventos,    
meias verdades    
e muita insensatez.
[Flora Figueiredo]
Poema em linha reta
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.   
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.    
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,    
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,    
Indesculpavelmente sujo,    
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,    
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,    
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,    
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,    
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,    
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;    
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,    
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,    
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,    
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado    
Para fora da possibilidade do soco;    
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,    
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.    
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo    
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,    
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...    
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana    
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;    
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!    
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.    
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?    
Ó príncipes, meus irmãos,    
Arre, estou farto de semideuses!    
Onde é que há gente no mundo?    
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?    
Poderão as mulheres não os terem amado,    
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!    
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,    
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?    
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,    
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
[Fernando Pessoa]
50 Tons de Cinza
Querendo não querer.   
E falhando    
e sentindo-me tolo.    
A tolice me sabe, até que eu queira e    
cumpra;    
mas não faço promessas.    
Se as faço, não deveria.    
Morrerei e nascerei novamente,    
sumirei sem deixar rastros para mim mesmo,    
até largar mão desse querer    
que me tanto condena    
à tolice.    
7
[Ítalo da Silveira Marques]